Fitas de áudio desmagnetizam. CDs descascam. Os links de obras de arte na Internet encaminham para sites que não existem mais. Filmes entram em combustão espontânea em suas caixas. (Ippolito, 2014, p. 4)
Entendemos o computador enquanto arquivo. No acesso do acervo desse arquivo surge meu problema: será que esse armazenamento é eterno? Como tratado no início deste texto, entendemos claramente que não.
Considerei por um momento o ato da narrativa, da conversa, como uma forma de guardar a memória, mas esse exercício também nos revela um desfalque naquilo experienciado: não dá pra lembrar claramente de tudo, nem guardar tudo.
Desse modo, assim como o ato de conversar e relembrar, as imagens impressas também podem se deteriorar e sumir com o tempo, livros muito antigos podem ficar ilegíveis, têm materiais que se desfazem com o toque, pois “Tudo que é material está sujeito à decadência.” (Santaella, 2025). A decadência do material sugere logo a decadência do digital.
Como dito anteriormente, o arquivo digital existe em constante ameaça, a ameaça de desaparecer ou de deixar de existir. Para tanto, existem estratégias que visam “driblar esse efêmero”. Chun (2008) entende que as mídias digitais estão inseridas em um efêmero duradouro, isto é, que a memória digital precisa estar em constante regeneração pois trata-se de algo que necessita dessa efemeridade para existir, como a questão da obsolescência programada. O arquivo digital necessita de cuidado constante. Considero o seguinte trecho da autora:
A maior característica da mídia digital é a memória. Sua ontologia é definida pela memória, do conteúdo ao propósito, do hardware ao software, de CD-ROMs para pendrives, da RAM ao ROM. A memória sublinha a emergência do computador como nós o conhecemos agora, a mudança da calculadora para o computador dependente em uma “memória regenerativa”. (p. 7)
A memória da mídia digital se faz nesse movimento de regeneração, de deslocamento de um lugar ao outro: do cartão de memória da câmera ao HD interno do notebook, por exemplo. Mas aí surge um alarmante: esse acervo que tanto explorei, que cataloguei, organizei data por data, ainda corre perigo de deixar de existir e sua extinção ocasionaria uma perda significativa em questão de lembranças familiares. O notebook ainda funciona, porém existe a possibilidade de não ligar mais.
No momento desta investigação, tive acesso à ele de maneira íntegra, mas comecei a sentir medo de perder para sempre esse acervo pois demarca um certo momento, tanto de uma história familiar quanto em relação às mídias. Para tanto, Ippolito (2014) sugere quatro maneiras para conservação do arquivo digital: preservação, emulação, migração e reinterpretação. Aqui, considero especialmente duas, a preservação e migração.
A preservação proposta pelo autor trata-se de guardar o objeto físico ou digital de maneira adequada, porém isso não impede a sua deterioração. O notebook está devidamente armazenado, em meios materiais, porém o autor adiciona a seguinte questão envolvendo a medida da preservação:
Equipamentos deixados em uma caixa eventualmente acabam tornando-se inutilizáveis à medida que os padrões de voltagem mudam, os tubos de raios catódicos quebram e as unidades de disquete desaparecem. É por isso que os preservadores digitais “atualizam” os dados em várias fitas magnéticas ou discos rígidos redundantes, e as empresas de mídia digital encobrem a efemeridade do hardware com promessas de “armazenamento infinito” na “nuvem”. (Ippolito, 2014, p. 8)
A segunda alternativa, a migração pressupõe mudar de uma mídia para outra visando melhorias tecnológicas em relação ao aparato. No contexto de obras de arte desenvolvidas com mídias antigas, esse movimento altera o seu sentido, como por exemplo a substituição de televisões CRT para telas planas. Mas, dentro de uma problemática que envolve a preservação de um acervo de fotografias que foi constituído em meio digital, em um aparato em ameaça, a migração torna-se uma possibilidade bastante plausível.
Essas possibilidades de guardar buscam driblar, de certo modo, essa impermanência da memória em meios digitais. Para preservar as fotografias e vídeos do notebook em que encontrei, busquei colocá-las em um pendrive e então em outro notebook mais novo, com maior capacidade de memória e processamento de informação.
Entretanto, trata-se de um dilema: mesmo que esteja em um pendrive, em outro notebook, isso não garante a permanência desse acervo. Por isso, falamos de armazenamentos e arquivos redundantes, temos que ter a disposição de estar a todo momento tomando cuidado daquilo que nos afeiçoamos: a lembrança da menina que teve a infância registrada nesse meio digital.
Minha postura de arqueóloga me coloca em um lugar de cuidado. Estou arqueóloga deste lugar já que não é mais habitável. Por isso, eu tomo cuidado, busco preservar.