Coloco-me enquanto desbravadora arqueóloga. Busco investigar esta peça histórica para reconstruir a memória da menina e das pessoas que viveram aquele computador em sua completude, que exploraram a internet por meio deste e que deixaram vestígios para que eu pudesse estudar este objeto hoje. Com os documentos que encontrei, consigo contar a história dele e também da menina, que cresceu e hoje brinca de fazer arte por outros meios - ainda pelo computador, também. Para compreender de fato esse objeto, trabalho com a noção de memória coletiva proposta por Halbwachs (2006), que propõe duas distinções entre memória: uma que é construída individualmente, que é constituída através de um ponto de vista específico, e outra em grupo, constituída de modo compartilhado, ambas ocupam espaços distintos, mas ainda são dialógicas:

[...] essas duas memórias se interpenetram com freqüência, especialmente se a memória individual, para confirmar algumas de suas lembranças, para tomá-las mais exatas, e até mesmo para preencher algumas de suas lacunas, pode se apoiar na memória coletiva. (p. 71)

O autor entende que aquilo que é “individual” ainda é constituído de modo coletivo, pois o indivíduo utiliza da lembrança de outros para entender a sua própria memória individual, desse modo, aquilo que é individual não está de todo modo isolado do meio coletivo. Assim compreendo a noção que

Para evocar seu próprio passado, em geral a pessoa precisa recorrer às lembranças de outras, e se transporta a pontos de referência que existem fora de si, determinados pela sociedade. Mais do que isso, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou, mas toma emprestado de seu ambiente. (p. 72)

Para reconstrução da memória deste objeto compartilhado, eu conversei com duas fontes ligadas à menina para entender a relação destas com o objeto-notebook. Sabemos que foi um objeto compartilhado e que seu acervo é constituído de modo coletivo, mas como isso ocorreu? Procurei entender primeiramente como esse objeto surgiu nessa casa, conversei com o pai e a mãe. A memória da menina acerca desse objeto precisa ser revista a partir da memória dos pais, nesse sentido considero aquilo que Halbwachs entende pela memória coletiva, com adições narrativas de outros personagens acerca de uma mesma situação, nesse caso o computador-coletivo.

Para compreender melhor, comecei perguntando o porquê da existência desse computador na família. Mais uma vez, estive em contato com o pai, para poder compreender a fundo as relações constituídas com esse objeto. conta que adquiriu este notebook em 2007, pois havia a necessidade de um computador para realizar as leituras do seu curso técnico, assistir às aulas e realizar as demandas do curso:

Foi um computador muito útil para a minha formação técnica, foi com ele que comecei… que assisti os programas do telecurso 2000 que eu estava precisando [risos]… foi com ele que tive o primeiro contato com programação de CNC, foi interessante! [...] ele que me ajudou, na época era um computador com um processador bom [...] me ajudou bastante com pesquisa, desenho técnico, na elaboração do meu TCC do curso de mecânica industrial…

Ele me contou que este objeto já esteve em trânsito, isso foi algo que também consegui constatar analisando as fotografias que encontrei: “Ele [o notebook] inclusive me acompanhou em várias viagens. Foi para Salvador na Universidade Petrobrás, [também] na Universidade Petrobrás do Rio de Janeiro… me auxiliou em vários aspectos”.

O relato da mãe enfatiza um outro tipo de relação com o objeto, ela conta que utilizava ele como passatempo, jogando jogos na internet ou Tetris Attack em um emulador de Super Nintendo que foi instalado no computador: “Era pra jogar joguinho!”. Com esse relato, consigo notar aqui que já há uma distinção entre o uso compartilhado. O computador serviu para vários fins, desde pesquisa ao passatempo, do Tetris Attack às aulas do telecurso 2000.

Quis saber mais sobre a menina, perguntei à eles de que modo ela utilizava o computador: Assistia e jogava. O pai contou que “baixava muitos filmes” para ela, principalmente desenhos animados (os quais consegui encontrar no acervo do notebook) e jogos educacionais, como G-Compris, no qual ela gostava muito de jogar, aqui inaugura uma nova relação: da criança que cresce dentro desse universo do computador.

🠔 🠖